quarta-feira, 21 de julho de 2010

"Caim", de José Saramago

“A história dos homens é a história dos seus desentendimentos com deus, nem ele nos entende a nós , nem nós o entendemos a ele .”
José Saramago

Saramago escreveu outro livro. O seu título é “Caim”, e Caim é um dos protagonistas principais. Outro é Deus, outro ainda é a humanidade nas suas diferentes expressões. Neste livro, tal como nos anteriores, “O Evangelho segundo Jesus Cristo”, por exemplo, o autor não recua diante de nada nem procura subterfúgios no momento de abordar o que, durante milénios, em todas as culturas e civilizações foi considerado intocável e não nomeável: a divindade e o conjunto de normas e preceitos que os homens estabelecem em torno a essa figura para exigir a si mesmos - ou talvez fosse melhor dizer para exigir a outros - uma fé inquebrantável e absoluta, em que tudo se justifica, desde negar-se a si mesmo até à extenuação, ou morrer oferecido em sacrifício, ou matar em nome de Deus.

Caim não é um tratado de teologia, nem um ensaio, nem um ajuste de contas: é uma ficção em que Saramago põe à prova a sua capacidade narrativa ao contar, no seu peculiar estilo, uma história de que todos conhecemos a música e alguns fragmentos da letra. Pois bem, com a cabeça alta, que é como há que enfrentar o poder, sem medos nem respeitos excessivos, José Saramago escreveu um livro que não nos vai deixar indiferentes, que provocará nos leitores desconcerto e talvez alguma angústia, porém, amigos, a grande literatura está aí para cravar-se em nós como um punhal na barriga, não para nos adormecer como se estivéssemos num opiário e o mundo fosse pura fantasia.

Pilar del Río.

Não diria melhor sobre este livro do que disse Pilar, a esposa de José Saramago. Mas quero acrescentar que só ele para conseguir escrever algo assim. Adorei! Deixo-o aqui como uma excelente sugestão de leitura de um dia de Verão.

Sara Gonçalves

terça-feira, 20 de julho de 2010

Gostava de ser sempre

Gostava de ser sempre

Neste mundo tão estranho,

Ser eternamente

Em todos os segundos que tenho.


Gostava de ser sempre

O sol, o vento e o mar

Que, neste mundo diferente,

Me fazem respirar.


Gostava de ser sempre

Para na tela poder pintar

Sonhos que tive antigamente,

E perdi. Só os queria lembrar!


Gostava de ser sempre

Eu. Mas eu mudo, a cada dia, a cada instante,

Sou vitima deste mundo que mente

E que faz cada segundo ser errante.


Gostava de ser sempre,

Mas o sempre não existe.

Aquilo que eu sinto, que cada um sente...

É pequeno. Pequeno é o Mundo. Triste!


Sara Gonçalves

quinta-feira, 15 de julho de 2010

O Escritor Fantasma

"O Escritor Fantasma", o novo filme de Roman Polanski.

«Um escritor-fantasma aceita o encargo de terminar de escrever as memórias do Primeiro-Ministro britânico, Adam Lang. Viaja, a meio do Inverno, para uma casa com vista para o mar, numa ilha próxima da costa leste dos Estados Unidos, com o intuito de começar a trabalhar no projecto. Mas no dia seguinte à sua chegada, um antigo ministro acusa Lang de autorizar a captura ilegal de suspeitos terroristas e de os entregar à CIA para serem submetidos a tortura – um crime de guerra. A acusação traz uma multidão de repórteres e manifestantes à mansão da ilha onde Lang vive com a sua mulher, Ruth, e a sua assistente pessoal (e amante), Amelia. À medida que o escritor vai avançando com o seu trabalho, começa também a descobrir pistas que apontam para uma ligação sinistra de Lang à CIA… e que, de alguma maneira, esta informação se encontra encoberta no manuscrito que lhe foi entregue e estava sendo escrito por uma escritor fantasma contratado antes de si e fora encontrado misteriosamente morto.»

quinta-feira, 8 de julho de 2010

O Bom da Solidão

Ao longo da minha vida, tenho-me vindo a aperceber do medo que as pessoas sentem da solidão. Temem-na quase tanto como a morte. Porquê? Será que algum dia experimentaram o sabor de um momento a sós consigo mesmas? Deveriam fazê-lo. A solidão não é um sentimento mau, mas sim de pertença, pertença a uma só pessoa: “eu”. É irracional termos receio de nós próprios e, se temos, é porque não nos conhecemos. Se não nos conhecemos, então, precisamos de solidão. Eu-solidão, solidão-eu. Conhecimento. De nós. Do mundo.

Descobri-me.

Tive um dia mau, como tantos outros. Que fiz eu para tentar perceber aquela angústia que me corroía por dentro e me sufocava de tal forma que o ar parecia não mais querer entrar?

Desapareci.

Fugi do meu mundo e fui para perto do mar. Falei com ele para conseguir falar comigo própria. E consegui. Foi ao sentir toda aquela solidão que me apercebi de um pormenor que escapa à maioria: é nas pequenas coisas que está "aquilo-que-não-sabemos-bem-o-que-é" ("mas-que-julgamos-saber", acrescento). A felicidade. Respirei fundo, a água gelada molhou-me o corpo, o sol do fim do dia aqueceu-me o rosto. Senti o mundo inteiro.

E voltei a descobrir-me.


Sara Gonçalves

Santa Cruz, 6 de Julho de 2010, final de tarde.