Hoje, acordei e pensei em ti. Não me perguntes porquê, sei que é estranho. Porém, agora faz sentido. Nas nossas veias corre o mesmo sangue. Estamos ligadas, de certa maneira. Por isso, é concebível que hoje, logo hoje, tenha acordado a pensar em ti. Inexplicavelmente, senti que alguma coisa se tinha passado…
Foi no dia anterior. Caíste de repente devido à tua cegueira, partiste uma perna e foste internada de urgência em Torres Vedras.
Só o soube há pouco, mas assim que a minha comadre me pôs a par do sucedido, corri para o hospital. Fiquei aliviada ao saber que a operação tinha corrido bem, no entanto, decidi não deixar para amanhã a minha visita, pois a vida tem o poder de nos surpreender a qualquer momento.
Não pensei na forma como iria reagir ao ver-te tanto tempo depois. Não pensei, porque não quis. Tento confiar na força que tenho dentro de mim e que nunca me abandonou nas alturas mais delicadas. Mais uma vez, aguentei-me. Mantive-me firme. E não deixei cair lágrimas.
Não foi fácil, sabes? Quando entrei no quarto onde estavas acamada, tive um choque: ao olhar-te, vi outra pessoa. Vi ela. A minha avó, a minha querida avó que partiu há mais de um ano e meio e da qual ainda hoje não esqueço o cheiro, a voz e todo o amor que de si transbordava. Posso sentir, agora mesmo, o calor do seu corpo abraçado ao meu.
Ver-te a ti como a ela. Foi o que me aconteceu. Já não me lembrava de como vocês as duas são parecidas! Podiam muito bem ser gémeas. Pelo menos, têm o mesmo cabelo, o mesmo rosto, a mesma pele macia e perfumada… e a mesma bondade.
Tia, também cresci contigo. Recordo-me muito bem das tardes passadas em tua casa. Dos teus lanches deliciosos e das tuas gargalhadas no quintal. Porém, há um momento que se destaca: aquele em que nos sentávamos as três à janela da sala, eu, tu e ela, a ver quem passava e a coscuvilhar sobre as suas vidas. A nossa cumplicidade era única! Vocês faziam-me rir. Rir com gosto!
Tenho saudades dela. Já a perdi para um mundo melhor que este. Não te quero perder a ti. É egoísmo da minha parte, eu sei. No entanto, a imagem da mulher deitada na cama de hospital com a mesma camisa de dormir, os mesmos lençóis e a mesma fisionomia não me sai da cabeça.
Amanhã, irei ver-te outra vez. Vais ouvir o quanto te amo e o quão bem me fazes. Tenho sido uma sobrinha desnaturada. Estudo longe, mas não posso servir-me dessa desculpa para tudo. Prometo que irei visitar -te mais vezes para poder ouvir as mesmas gargalhadas deliciosas que ouvi hoje. Prometo que irei deixar-te tocar mais vezes nas minhas bochechas e no meu cabelo para que me possas ver por inteira, uma vez que os teus bonitos olhos azuis já não o conseguem. Prometo que irei mimar-te o mais que puder. Prometo, porque é a única coisa que está ao meu alcance.
Acredita no que te digo, querida tia. Se pudesse, dava-te os meus olhos e a à minha avó a vida. Mas não posso. Resta-me esperar que ambas se orgulhem de mim e da mulher em que me tornei. Devo-vos quase tudo.
Rápidas melhoras!
Sara Gonçalves
Sara, Sara! Tu vais longe mesmo acredita, escrita tão suave como um rio no seu leito, tocante mesmo sendo na realidade, pormenores importantes mas tão fluidos, claros e limpos como agua, parecendo quem lê estar a vê-los... ass: Telmo
ResponderEliminarObrigada, Telmo! Bjs
ResponderEliminar