sábado, 13 de março de 2010

"O mundo não é feito de coisas, mas sim de factos"

O sol estava alto, quente e aconchegante.

Na mais bela cidade, havia de tudo um pouco naquela manhã de Sábado: miúdos a brincar, pais a namorar, idosos a conversar na “Brasileira”, escuteiros a vender baralhos de cartas para o dia do pai, comerciantes com discursos retóricos. No meio de todo aquele cenário, foi o essencial, invisível aos olhos, aquilo que me despertou mais a atenção: a alegria daquela gente perante uns simples raios de sol.

Todos nós pensamos que são as “coisas” que formam o mundo. Aqui está o erro da Humanidade. Como diria o filósofo Wittgenstein, "o mundo não é feitos de coisas, mas sim de factos". Se um indivíduo comprar um carro e atropelar alguém, foi o seu acto que fez mudar a vida das pessoas envolvidas e não o objecto. Os bens materiais são o que de menor há no nosso planeta, ainda que muitos, ao criá-los, tenham alcançado o apogeu da sua carreira.

Cada vez mais se fazem filmes e livros sobre o fim do mundo, nomeadamente sobre o dia 21 de Dezembro de 2012 que, segundo consta no calendário dos Maias (que previram e acertaram na chegada do homem branco, Hernan Corteza, em 1519, por exemplo) porá termo ao planeta Terra tal como o conhecemos hoje. Se tal acontecer, todas as coisas que fomos adquirindo ao longo de uma vida se tornam supérfluas, pois desaparecerão da nossa vista num ápice.

Pergunto: Se sobrevivêssemos a uma catástrofe, o que restaria?

Respondo: Recordações.

Acredito que a memória é o bem mais precioso do Homem, pois é ela que preserva os factos que constroem o mundo. Não são os escritos, os documentários, não! É na nossa cabeça que está tudo aquilo que fomos, somos e tudo aquilo que, um dia, queremos vir a ser.

Se aliarmos a força da mente às sensações, podemos dar a volta ao mundo em 80 dias, tal como nos contou Júlio Verne. Porém, o Homem já não quer dar a volta ao mundo. O Homem quer passar férias na Lua e tentar provar que há vida em Marte para depois se mudar para lá (seria mais fino).

O mesmo animal que passou por guerras mundiais sangrentas, que foi prisioneiro de campos de concentração, que foi escravo de gulags, que chorou e chora com perdas irremediáveis, só olha para as “coisas” e não para uma História que deveria servir de estímulo para remediar males passados e evitar tragédias futuras.

Destruímos cada vez mais o nosso planeta e, um dia, já não haverá raios de sol para alegrar o nosso dia, apenas uma enorme escuridão, a mesma que, neste momento, nos impede de ver o que está diante dos nossos olhos.

Vi a alegria das pessoas que passavam nas ruas com uns simples raios de sol. Mas será que elas sabiam que era o sol o motivo da sua alegria?

O sol estava alto, quente e aconchegante. No entanto, a resposta preferiu vir de encontro à tristeza que vive no meu coração.

Sara Gonçalves,

Braga, 13 de Março de 2010, 20h09m.

3 comentários:

  1. Muito bem analisado Sara.
    E se são as pessoas e não os objectos que importam também se pode dizer que são os seus pensamentos e motivos que importam, não os factos particulares e transitórios que experienciam. Os raios de sol podem ser causa de alegria num momento em particular, mas a nossa alegria não pode estar dependente do tempo ou de qualquer coisa externa a nós - isso tornar-nos-ia dependentes de tudo o que nos rodeia e privar-nos-ia da nossa autonomia, poder de reflexão e escolha.
    Como tu bem escreveste, não são os objectos que importam (neste caso o sol ou o dia quente, uma vez que esse clima não dura para sempre) mas o que os levou lá - a esperança de encontrar algum conforto, paz de espírito e alegria, que é o que procuramos no fim de semana para descomprimir do stress da semana de trabalho. Bjs

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  2. UAU!
    Obrigada, Bruno!
    Excelente comentário!

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  3. Uma ligeira adição necessária:

    Tudo na nossa vida é efémero (a única constante é a mudança).
    Mesmo as nossas ideias, pensamentos e sentimentos são efémeros, o que porém não quer dizer que estejam dependentes de factores externos.
    O sentimento de bem estar que se sente quando se aprecia a luz do sol - prazer - não está dependente do facto de estar um dia soalheiro. Mesmo na mais perfeita escuridão podemos ter esse sentimento, porque a nossa cabeça é que manda, como bem escreveste.
    A luz da razão, ou do Logos, essa sim, é um Sol com o qual podemos contar sempre que quisermos (ou podermos), e que nos faz sentir bem, faça sol ou faça chuva, haja paz ou haja guerra (até porque a paz e a guerra começam no interior da pessoa).
    Parabéns Filósofa, continua que estás no bom caminho!
    Bjs, Bruno

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