quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Data que não se quer lembrar

Hoje, não me apetecia acordar. Ao abrir os olhos, sabia que ia olhar para o calendário e lembrar-me de uma data que, a partir do momento em que desapareceste, devia ter desaparecido contigo. Porém, só tu foste embora. O resto ficou. O teu nome, o teu olhar naquela fotografia que não consigo deitar fora, o teu cheiro nas lembranças da minha infância e, pior, a mágoa de te ter perdido.

Fazes-me falta. Só tu me conhecias como eu me conheço, só tu me falavas o que queria e não queria ouvir no momento certo. Mesmo quando afirmavas não querer ir passar o Natal a minha casa, pois preferias o conforto do teu lar, eu sabia que ias. Tu nunca, nunca me abandonaste. Nos momentos mais importantes da minha vida, estavas a assistir a tudo na primeira fila da plateia. E agora? O que tenho? Nada. Não me leves a mal, mas, na maior parte das vezes, prefiro não pensar em ti. Foi esse o caminho pelo qual optei: não me lembrar para não sofrer.

Detestavas ver-me chorar e também eu não suportava o teu choro. Limpávamos as lágrimas uma à outra e tudo ficava melhor. Agora, já não tenho quem as limpe. Talvez por isso não chore tanto; talvez por isso a dor seja cada vez maior.

Ainda não fui ver as luzes de Natal. A nossa cidade não as vai ter, este ano. É a crise. Já Braga, se queres que te diga, nem sei! Talvez hoje, que é feriado, pegue no carro ao final do dia e vá ao centro averiguar. Pensei também ir acender-te uma vela lá acima à nossa Senhora do Sameiro. No entanto, custa-me avistar a minha nova terra daquela escadaria, porque sempre pensei que, um dia, ta iria mostrar, que tu ias ver com esses lindos olhos aquela paisagem maravilhosa. Tal nunca aconteceu. Levaram-te de mim cedo demais.

Não me leves a mal colocar estas linhas no meu “lugar” na Internet. Bem sei que repudiavas estas modernices (aliás, nem te atrevias a falar delas). Porém, penso ser esta a forma que encontrei de me redimir por não te ter dito vezes suficientes que eras uma mulher perfeita. Sei que o dei a entender e que, por vezes, os gestos são suficientes. E sei também que te disse “amo-te” quando tu mais precisavas, pois no momento em que a minha voz se fez soar no teu ouvido direito, vi uma lágrima escorregar pelo teu rosto. Uma lágrima que veio quando tu já não falavas, já não abrias os olhos, já não reagias. Por isso, eu sei, e quão bom é este conforto!, que, mesmo quando os outros falavam perto de ti sobre a tua doença e os médicos diziam que não havia problema, porque tu já não escutavas, tu ouvias-me. Daí que de mim só saíssem palavras de esperança e dos outros palavras de derrota.

Partiste para o céu com a melhor palavra do mundo proferida pela pessoa que mais te ama, admira e que mais respeito nutre por ti. Também fui eu a última a olhar-te. Com o maior dos carinhos, não disse “adeus”, mas sim “até já”.

À minha avó Maria da Conceição, a mulher da minha vida que, hoje, dia da Nossa Senhora da Conceição, fazia 77 anos de idade.

Sara Gonçalves.


8 comentários:

  1. "Ti Conceição" onde quer que esteja sei que continua a olhar por nós, como sempre fez ! =,)

    Sara, meu amor, esse texto está lindo, como sempre, cheio de sentimento que consegues transpor tão bem em palavras * adoro-te beijinho bem grande

    Vanessa Gomes

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  2. Vanessa:
    Obrigada! Eu sei que também gostavas muito dela. Aliás, que ainda gostas.
    Obrigada por tudo, principalmente por esta amizade de longos anos repletos de momentos inesquecíveis!
    Adoro-te, mana.
    Bjs,
    Sara Gonçalves.

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  3. Apesar da tristeza que nos invade a todos neste dia 08-12, é bom que todos saibam que quem criou e educou a minha filha foi a minha sogra, e a Sara é tal e qual como a avó era, uma pessoa maravilhosa, cheia de encanto e de bondade...adoro-te sogra, adoro-te filha!!

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  4. Foi um orgulho ter sido criada por ela.
    Também te adoro!
    Obrigada pelo comentário!
    Bjs,
    Sara

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  5. Obrigada pelo seu comentário, professor Nozes!

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  6. Olá Sara,
    O carinho que demonstras pela tua avó querida é de alguém nobre que reconhece o empenho, a dedicação e o carinho dos seus progenitores (aqui segundos progenitores), sim porque, ser avó é ser mãe duas vezes. Nunca te esqueças que ela também perdeu a sua mãe e avó enquanto vivia neste mundo (acredito que a vida continua). E com o seu exemplo ensinou-te a lei da vida, viver e morrer faz parte do património de qualquer ser vivo. O amor que ela sentia pelos seus entre queridos era da mesma intensidade do amor que tu sentes, e ela sempre superou todas essas perdas. Aproveita estes momentos de dor para o teu crescimento espiritual e intelectual. Guarda todas as lembranças positivas que a tua querida avó te deixou e a melhor forma de a homenagear é aproveitar a viva, viver intensamente e ser feliz. Ela está bem e ficará muito contente se tu viveres em pleno.
    Continua a tua caminhada, acredito que irás longe, que serás uma vencedora.
    Cumprimentos,
    Amélia Gonçalves

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  7. Amélia, o seu comentário é muito comovente. Só tenho a agradecer o apoio, do fundo do coração. E sim, quero acreditar que ela está bem.
    Um grande beijinho,
    S.

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