terça-feira, 10 de maio de 2011

Entre o peso e o espanto

Quanto mais longe está a infância, mais estável se revela. Se em criança somos plenos e inocentes, na fase adulta somos visitados pela incompletude. O agora é o pertencer aqui e a lugar nenhum. A responsabilidade acresce e causa nós no estômago. Estes só se desfazem quando surge um novo nó que substitui o anterior.

Em pequenos, o tempo é tempo. Aquando o crescimento, o tempo já não é só tempo. É oportunidade ou desperdício, vitalidade ou preguiça, conquista ou derrota, plenitude (quase inatingível) ou vazio (facilmente atingível). O tempo é isso tudo. Dizer que é uma conexão de movimentos plurais não chega. Ainda que só esta descrição já cause um certo sufoco. A vida pesa. Por isso, como alguém me disse, certo dia, a melhor atitude a ter é… fazer com que não pese muito!

Se o tempo sufoca, o espaço aprisiona. Por isso, confesso que me contento mais em ser este ser errante que sou. Andar sempre cá e lá. Se fosse prisioneira de um só lugar (mesmo que esse lugar fosse junto ao mar), acabaria vivendo mesmitudes e não espantitudes. Prefiro a surpresa.

Contento-me, por agora, com estas viagens entre o Norte e o Sul, neste autocarro (por vezes, pequeno demais para tanta gente – será que também eles são seres errantes?). Satisfaz-me dizer “adeus” àquela grande mancha verde e dourada que abandono temporariamente (outra vez o tempo!) e dizer “olá” à confusa e, ao mesmo tempo, tão bela capital. No regresso, alegra-me sempre e de forma distinta ver o Tejo afastar-se no horizonte para, poucas horas depois, abraçar a paisagem e a calma do lugar que escolhi para viver esta fase da minha vida. Sinto saudades da infância, mas também anseio pelo futuro, cada vez mais próximo. O amanhã trará consigo um tempo mais sufocante; tudo o que peço é um espaço que me continue a arregalar os olhos de espanto.

A vida pesa. Mas também é espantosa.


Sara Gonçalves

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