quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Utopia - para quê?

A palavra «utopia» foi criada por Thomas More e significa, à letra, o «não-lugar» [u-topos]. Representa uma ilha habitada por uma comunidade fechada e feliz, situada fora do espaço e do tempo empíricos. É «Rafael Hitlodeu», personagem principal da obra a par do próprio More, quem a descreve no Livro II.

O livro de que aqui se fala termina com uma frase proferida pelo autor que faz o leitor permanecer incógnito quanto ao verdadeiro objectivo da obra: «Porém, devo confessar que há muitas coisas na sociedade utopiana que eu desejo, mais do que espero, ver seguidas pelos nossos cidadãos.» Segue-se então a pergunta: qual o verdadeiro propósito da Utopia? As respostas são díspares e foram surgindo ao longo dos tempos. Comecemos pela ideia de que a intenção da sociedade utopiana é a aplicação de todas ou algumas das suas instituições nas sociedades reais e distópicas. Estamos no âmbito da «practopia» ou da «utopia posta em prática», uma espécie de «programa político». No entanto, e uma vez que ao longo da sua vida os homens pensam sempre através de termos de comparação, a Utopia pode servir antes para fazer essa confrontação com a sociedade real e permitir uma crítica social radical (entenda-se radical no sentido de ir à raiz dos problemas). Neste domínio, a Utopia é para pensar e não para ser posta em prática. Um terceiro ponto de vista diz respeito a uma forma de nostalgia do passado, um passado não mercantilista. A meu ver, esta é a hipótese menos apelativa, ao contrário da quarta que surge como extremamente plausível: a Utopia vista como uma fuga ao mundo real, uma espécie de conversão cristã mística. Esta é a conjectura de André Prevost, que analisa a sociedade utopiana como uma espécie de encadeamento iniciático ou, por outras palavras, um apelo à mudança interior individual. Finalmente, e com um grau de atracção semelhante ao da hipótese 3, temos a Utopia como uma simples antecipação visionária. Penso que esta visão está mais ligada às contra-utopias que surgiram no século XX, como por exemplo O Admirável Mundo Novo, onde Huxley anteviu a reprodução artificial que já é uma realidade nos dias que correm. Quem fala desta, fala também de 1984, de George Orwel, uma antecipação do «Big Brother» dos tempos modernos.

Não querendo terminar este texto sem dar uma resposta aos leitores, penso que o único caminho a seguir para sair do labirinto moreano é este: tomar simplesmente a Utopia como uma «enunciação de possíveis».


Sara Gonçalves

1 comentário:

  1. Aqui fica um link para o meu blogue que te remete para umas frases do Thomas More, que retirei do leitura do livro. Persuadi-me que deveria passar todas as frases, ou partes, interessantes, mas cedo tal empresa se me desapareceu, tal a letargia que se me assoma quotidianamente.
    Uma parte engraçada do livro é quando os outros indivíduos vêm à Utopia impregnados de ouro etc., quando, na Utopia, eram os escravos que usavam o ouro. Recordo-me do miúdo tecer um comentário à mãe, mas já me não lembro é do que disse.

    http://somnium-sporadic.blogs.sapo.pt/2531.html

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