sexta-feira, 18 de novembro de 2011

O 'eu' lacaniano e a bruxa má da "Branca de Neve"


Nos anos 40, o psicanalista francês Jacques Lacan teorizou o eu como uma instância imaginária, que é objeto e não sujeito (instância simbólica). O eu (moi) define-se pela sua relação especular ao outro em que projecta a sua imagem ideal, constituindo-se, assim, em alienação. Ao Estádio do Espelho corresponde, no conto de fadas Branca de Neve, a bruxa má que não se cansa de perguntar ao seu espelho mágico: «Espelho meu, espelho meu, quem é mais bela do que eu?». A personagem representa o eu lacaniano, caracterizado pelo logro narcísico que se compraz na contemplação da sua imagem ideal e na ilusão de ser sustentado de prazeres e ódios. O ser corresponde à imagem do eu (e vice-versa), é ilusão ou, como dissemos anteriormente, instância imaginária. Note-se que Lacan define o eu como imagem no espelho através da fórmula a’-a. Segundo a teoria do psicanalista, esta alienação à imagem só terminará com a introdução do simbólico (uma estrutura que se confunde com a linguagem).

Sara Gonçalves (a partir dos apontamentos da Professora de Teorias do Inconsciente Cristina Álvares)


Fonte da imagem: http://www.google.com/imgres?um=1&hl=pt-PT&sa=N&biw=1138&bih=541&tbm=isch&tbnid=6MtRafPJA6dIzM:&imgrefurl=http://dollsgina.blogspot.com/p/historia-branca-de-neve.html&docid=OGi1ZrINCEU2RM&imgurl=http://img41.imageshack.us/img41/123/brancadeneve97.gif&w=300&h=371&ei=YOzGToGCNszI8gPn8eyUAQ&zoom=1.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Parabéns à Filosofia!

Hoje, dia 17, terceira quinta-feira do mês de Novembro, celebra-se o Dia Internacional da Filosofia. Como disse René Descartes, «viver sem filosofar é o que se chama ter os olhos fechados sem nunca os ter tentado abrir.» A cada dia que passa, apercebo-me mais da importância desta frase. Aqui fica o meu muito obrigada à Filosofia, que mais do que uma paixão, é uma forma de vida. A minha forma de vida.

Sara Gonçalves

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

José Saramago


"Nem a arte nem a literatura têm de nos dar lições de moral. Somos nós que temos de nos salvar, e isso só é possível com uma postura de cidadania ética, ainda que isto possa soar antigo e anacrónico."


José Saramago, que faria hoje 89 anos.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

"A Paixão de Schopenhauer", de C.Poschenrieder

«Schopenhauer, Lord Byron, Goethe, Brockhaus, Metternich: nomes verdadeiramente honrados aparecem neste livro. E todos eles são personagens individuais e fascinantes.

Com pouco menos de trinta anos, Schopenhauer ansiava por ver como é que os filósofos e os letrados iriam reagir às suas ideias - como Hegel abandonaria o seu trono e ele se tornaria reconhecido aos olhos do velho Goethe. No entanto, chegado a Veneza, Schopenhauer é posto à prova mais uma vez. Agora, terá que lidar com um novo conceito: o amor. Poderá o amor mudar o seu olhar sobre o mundo? Uma viagem emocionante através da filosofia e da fantasia.»

Para ler um excerto desta obra, aceda ao link da Saída de Emergência:

http://www.saidadeemergencia.com/index.php?page=Books.BookView&book_id=740&genre= (a mesma fonte de onde retirei a sinopse anterior).

Boa leitura!

Sara Gonçalves

terça-feira, 1 de novembro de 2011

O primeiro de Novembro daquele tempo longínquo

Lembro-me do primeiro de Novembro

Daquele tempo longínquo

Do qual já só restam recordações.

Assemelho-o àquela infância sorridente

Que partiu sem se despedir,

Deixando ficar apenas rastos

Aos quais hoje presto devoção,

Para tentar reaver alguma da alegria

Que percorria aquele meu corpo de criança.


Jovialmente, lá ia eu,

Embalada pelo tocar dos sinos da igreja,

No primeiro de Novembro,

De porta-em-porta,

Pedir doces, broas e frutos secos,

Com sorte moedas! - não de ouro, mas de chocolate -

A quem quase nada tinha

E que, mesmo sem nada ter, não se importava de dar.

Os velhos da aldeia acatavam todos os pedidos

Porque sabiam que, em troca,

Receberiam olhares cheios de vida,

De esperança, de futuro.


Naquele fim de tarde

Do primeiro de Novembro,

De rosto cansado e rosado,

Comia a oferenda de quem enriquecera

Com o meu sorriso de agradecimento

E, à noite, todos adormecíamos satisfeitos.

Por maior que fosse o frio -

Presságio do Inverno que se avizinhava -

Os nossos corações permaneciam

Quentes, aconchegados com o carinho

Que havia preenchido todo aquele dia.


Hoje, a minha aldeia está morta.

Mesmo assim, não posso deixar de recordar

Aquele primeiro de Novembro.



Sara Gonçalves

Braga, 1 de Novembro de 2011

A Ilha de Calipso ou a Fase Fálica do Édipo



A Perfeição, de Eça de Queirós, conta a história de Ulisses que «jazia numa ilha mole, eternamente preso, sem amor, pelo amor de uma deusa», há já oito anos. Falamos da ilha de Calipso que, na teoria freudiana do Édipo, corresponde à fase fálica da criança, orientada pelo imaginário. Nesta etapa, há uma tendência incestuosa da libido (a libido infantil investe em objectos exteriores, o primeiro dos quais a mãe), um interesse pela coisa sexual (que se traduz na manipulação onanista) e é postulada a universalidade do falo (para as crianças dos dois sexos só existe um órgão sexual: o masculino). Na fase fálica, as crianças vivem, se quisermos, uma excitação constante. Podemos correlacionar esta excitação que não cessa com o paraíso onde Ulisses habita, no conto. A ilha é a ontologia plena, uma conceção de ser a que nada falta, o lugar onde o ser goza simplesmente de ser.
Será possível viver eternamente num lugar tão perfeito?
Ulisses
demonstra que não, afirmando ter saudades do esforço, do trabalho, da luta, até do sofrimento característicos de toda a vida humana. Ele anseia pela libertação. É, pois, devido a essa vontade do herói que Mercúrio desce à ilha, enviado por Júpiter («o regulador da ordem») e ordena à deusa que solte Ulisses dos seus braços, permitindo-o, dessa forma, regressar a Ítaca e à sua amada Penélope. Do céu surgiu a libertação da fase fálica. Esta emancipação equivale à castração freudiana, absolutamente necessária no processo edipiano, uma vez que é ela que permite à criança conservar o seu órgão sexual (a criança renúncia ao órgão, para, evitando a castração, reavê-lo, mais tarde – é o aufhebung de Hegel, o ser que se nega para depois voltar a ser). De outra maneira, a castração corresponde a uma operação estrutural que anula a universalidade imaginária do falo e determina o reconhecimento da diferença sexual. No conto, Ulisses necessita da renúncia ao paraíso para se conseguir reencontrar: «Porque, na verdade, oh deusa muito ilustre, o meu coração saciado já não suporta esta paz, esta doçura e esta beleza imortal.» Desta forma, chega ao fim o mundo de fantasia onde tudo é possível, onde tudo goza, onde a satisfação é total.
Para Ulisses, o mal reside na perfeição. «Oh deusa, o irreparável e supremo mal está na tua perfeição!» A personagem chega mesmo a afirmar que morre de saudades da morte, porque ali, naquela ilha, com Calipso, nada perece, tudo é perene. Até as flores! – «Há lírios que odeio, com um ódio amargo, pela impassibilidade da sua alvura eterna!».
A história de Eça de Queirós termina com o momento em que o herói solta a vela da jangada que construiu depois de decretada a sua libertação. «Fendeu o mar, partiu para os trabalhos, para as tormentas, para as misérias - para a delícia das coisas imperfeitas!» Foi assim que Ulisses saiu do paraíso para se introduzir na ordem humana, isto é, na diferença sexual, onde já não encontramos seres que gozam simplesmente de ser, mas sim sujeitos que conseguem encontrar a felicidade na imperfeição.

Sara Gonçalves

Nota: a imagem foi retirada do endereço http://deedellaterra.blogspot.com/2008/12/odissia-oggia.html.