terça-feira, 1 de novembro de 2011

A Ilha de Calipso ou a Fase Fálica do Édipo



A Perfeição, de Eça de Queirós, conta a história de Ulisses que «jazia numa ilha mole, eternamente preso, sem amor, pelo amor de uma deusa», há já oito anos. Falamos da ilha de Calipso que, na teoria freudiana do Édipo, corresponde à fase fálica da criança, orientada pelo imaginário. Nesta etapa, há uma tendência incestuosa da libido (a libido infantil investe em objectos exteriores, o primeiro dos quais a mãe), um interesse pela coisa sexual (que se traduz na manipulação onanista) e é postulada a universalidade do falo (para as crianças dos dois sexos só existe um órgão sexual: o masculino). Na fase fálica, as crianças vivem, se quisermos, uma excitação constante. Podemos correlacionar esta excitação que não cessa com o paraíso onde Ulisses habita, no conto. A ilha é a ontologia plena, uma conceção de ser a que nada falta, o lugar onde o ser goza simplesmente de ser.
Será possível viver eternamente num lugar tão perfeito?
Ulisses
demonstra que não, afirmando ter saudades do esforço, do trabalho, da luta, até do sofrimento característicos de toda a vida humana. Ele anseia pela libertação. É, pois, devido a essa vontade do herói que Mercúrio desce à ilha, enviado por Júpiter («o regulador da ordem») e ordena à deusa que solte Ulisses dos seus braços, permitindo-o, dessa forma, regressar a Ítaca e à sua amada Penélope. Do céu surgiu a libertação da fase fálica. Esta emancipação equivale à castração freudiana, absolutamente necessária no processo edipiano, uma vez que é ela que permite à criança conservar o seu órgão sexual (a criança renúncia ao órgão, para, evitando a castração, reavê-lo, mais tarde – é o aufhebung de Hegel, o ser que se nega para depois voltar a ser). De outra maneira, a castração corresponde a uma operação estrutural que anula a universalidade imaginária do falo e determina o reconhecimento da diferença sexual. No conto, Ulisses necessita da renúncia ao paraíso para se conseguir reencontrar: «Porque, na verdade, oh deusa muito ilustre, o meu coração saciado já não suporta esta paz, esta doçura e esta beleza imortal.» Desta forma, chega ao fim o mundo de fantasia onde tudo é possível, onde tudo goza, onde a satisfação é total.
Para Ulisses, o mal reside na perfeição. «Oh deusa, o irreparável e supremo mal está na tua perfeição!» A personagem chega mesmo a afirmar que morre de saudades da morte, porque ali, naquela ilha, com Calipso, nada perece, tudo é perene. Até as flores! – «Há lírios que odeio, com um ódio amargo, pela impassibilidade da sua alvura eterna!».
A história de Eça de Queirós termina com o momento em que o herói solta a vela da jangada que construiu depois de decretada a sua libertação. «Fendeu o mar, partiu para os trabalhos, para as tormentas, para as misérias - para a delícia das coisas imperfeitas!» Foi assim que Ulisses saiu do paraíso para se introduzir na ordem humana, isto é, na diferença sexual, onde já não encontramos seres que gozam simplesmente de ser, mas sim sujeitos que conseguem encontrar a felicidade na imperfeição.

Sara Gonçalves

Nota: a imagem foi retirada do endereço http://deedellaterra.blogspot.com/2008/12/odissia-oggia.html.

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