quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Ver-te a ti como a ela

Hoje, acordei e pensei em ti. Não me perguntes porquê, sei que é estranho. Porém, agora faz sentido. Nas nossas veias corre o mesmo sangue. Estamos ligadas, de certa maneira. Por isso, é concebível que hoje, logo hoje, tenha acordado a pensar em ti. Inexplicavelmente, senti que alguma coisa se tinha passado…

Foi no dia anterior. Caíste de repente devido à tua cegueira, partiste uma perna e foste internada de urgência em Torres Vedras.

Só o soube há pouco, mas assim que a minha comadre me pôs a par do sucedido, corri para o hospital. Fiquei aliviada ao saber que a operação tinha corrido bem, no entanto, decidi não deixar para amanhã a minha visita, pois a vida tem o poder de nos surpreender a qualquer momento.

Não pensei na forma como iria reagir ao ver-te tanto tempo depois. Não pensei, porque não quis. Tento confiar na força que tenho dentro de mim e que nunca me abandonou nas alturas mais delicadas. Mais uma vez, aguentei-me. Mantive-me firme. E não deixei cair lágrimas.

Não foi fácil, sabes? Quando entrei no quarto onde estavas acamada, tive um choque: ao olhar-te, vi outra pessoa. Vi ela. A minha avó, a minha querida avó que partiu há mais de um ano e meio e da qual ainda hoje não esqueço o cheiro, a voz e todo o amor que de si transbordava. Posso sentir, agora mesmo, o calor do seu corpo abraçado ao meu.

Ver-te a ti como a ela. Foi o que me aconteceu. Já não me lembrava de como vocês as duas são parecidas! Podiam muito bem ser gémeas. Pelo menos, têm o mesmo cabelo, o mesmo rosto, a mesma pele macia e perfumada… e a mesma bondade.

Tia, também cresci contigo. Recordo-me muito bem das tardes passadas em tua casa. Dos teus lanches deliciosos e das tuas gargalhadas no quintal. Porém, há um momento que se destaca: aquele em que nos sentávamos as três à janela da sala, eu, tu e ela, a ver quem passava e a coscuvilhar sobre as suas vidas. A nossa cumplicidade era única! Vocês faziam-me rir. Rir com gosto!

Tenho saudades dela. Já a perdi para um mundo melhor que este. Não te quero perder a ti. É egoísmo da minha parte, eu sei. No entanto, a imagem da mulher deitada na cama de hospital com a mesma camisa de dormir, os mesmos lençóis e a mesma fisionomia não me sai da cabeça.

Amanhã, irei ver-te outra vez. Vais ouvir o quanto te amo e o quão bem me fazes. Tenho sido uma sobrinha desnaturada. Estudo longe, mas não posso servir-me dessa desculpa para tudo. Prometo que irei visitar -te mais vezes para poder ouvir as mesmas gargalhadas deliciosas que ouvi hoje. Prometo que irei deixar-te tocar mais vezes nas minhas bochechas e no meu cabelo para que me possas ver por inteira, uma vez que os teus bonitos olhos azuis já não o conseguem. Prometo que irei mimar-te o mais que puder. Prometo, porque é a única coisa que está ao meu alcance.

Acredita no que te digo, querida tia. Se pudesse, dava-te os meus olhos e a à minha avó a vida. Mas não posso. Resta-me esperar que ambas se orgulhem de mim e da mulher em que me tornei. Devo-vos quase tudo.

Rápidas melhoras!


Sara Gonçalves

2 comentários:

  1. Sara, Sara! Tu vais longe mesmo acredita, escrita tão suave como um rio no seu leito, tocante mesmo sendo na realidade, pormenores importantes mas tão fluidos, claros e limpos como agua, parecendo quem lê estar a vê-los... ass: Telmo

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