domingo, 27 de março de 2011

Desabafos de um Choro Inútil

Questiono-me muitas vezes se um ser humano é dotado da capacidade de mudar outro com as suas palavras, gestos e atitudes. Martin L. King sonhava com o dia em que um homem branco se iria sentar ao lado de um homem negro. Hoje, o racismo – a que dou o nome de substrato da maldade humana - é absolutamente condenável. Também a discriminação entre os sexos – outro substrato da maldade humana - deixou de fazer sentido, em particular a partir dos movimentos feministas que marcaram os anos 20. Houve claramente uma evolução no Homem, que deixou de ver o outro meramente como outro, passando a considera-lo espelho de si mesmo.

Contudo, Schopenhauer viu bem que todos os homens são seres que experienciam o mundo movidos por impulsos e paixões. Há algo que transcende o fenoménico, uma Vontade que é causadora de todo sofrimento, uma vez que lança os entes numa cadeia de aspirações sem fim. A dor é dor de incompletude. Segundo tal concepção pessimista, o prazer consiste apenas na supressão momentânea da dor que é a verdadeira realidade. Quando percebemos esta filosofia pessimista, torna-se difícil não deixar de acreditar na possibilidade de um ser humano mudar o seu eu. O connatus espinosista – isto é, a preservação ou conservação do ser em si - opera de forma imperativa. Ninguém pode não querer o que quer.

Choro então a maldade que existe no mundo e que está tão próxima de mim. Vejo que ainda há indivíduos que, ansiosos por suplantar o outro, partem o espelho em minúsculos pedaços de vidro que ferem simplesmente por ferir. Schopenhauer acreditava que poderíamos escapar desse impulso de suplantação através das artes, nomeadamente da música. [Levei-a, um dia, a ouvir um concerto de músicas de Natal de Handel. Não resultou.]

Uma outra solução apontada pelo filósofo mais pessimista de todos os tempos seria a de compreender a Vontade e superar o egoísmo, tomando cada ser como um ser único e desenvolvendo o sentimento de fraternidade. Retirar, enfim, de cada homem aquilo que nele há de melhor. [Constato, contudo, que nela pouco há de bom. E o pouco que há ainda não descobri. Por isso, estou longe de conseguir mostrar-lhe o prazer de encarar o outro como um fim em si mesmo e não como um meio.]

O meu choro é inútil. Porém, tem qualquer coisa em si que não me repudia. Ao chorar, fico mais próxima de perceber a tristeza. Talvez um dia, ao conseguir percebê-la inteiramente, a possa afastar da minha vida. Até lá, a minha dor será sempre a dor da incompletude.

Sara Gonçalves

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