quarta-feira, 20 de abril de 2011

“A Caixa”: duas teorias éticas distintas

O conto que acabámos de ler está carregado de problemas filosóficos interessantes. Atentemos, em particular, nas duas teorias éticas defendidas pelas personagens principais da história.

O critério de moralidade kantiano afirma que devemos guiar toda e qualquer acção pela razão pura. Agir autonomamente é agir de acordo com o dever e, portanto, segundo o imperativo categórico. Uma acção é boa sempre que respeite regras morais absolutas (absolutas, uma vez que servem para todos os indivíduos dotados dessa mesma razão).

Já em Stuart Mill, a principal figura do Utilitarismo Clássico, não existem regras morais absolutas e só as consequências dos nossos actos importam - daí que esta seja uma teoria consequencialista e não deontológica (como a de Kant). Se mentir irá permitir contribuir, num momento x, para um maior bem-estar de todos, então há que mentir e isso não é moralmente incorrecto. O princípio de utilidade, formulado pela primeira vez por Jeremy Bentham, apresenta-se, em termos gerais, como «a maximização do bem-estar geral». Este bem-estar é, em última instância, aquilo que entendemos por felicidade.

No conto de R. Matheson, Norma deixa-se claramente guiar pelo desejo de obter um maior bem-estar: seria óptimo poder comprar uma casa maior e fazer a viagem dos seus sonhos juntamente com o marido. Para isso bastaria carregar num botão e aceitar a consequência: a morte de um desconhecido. Ora, duas utilidades positivas (a de Norma e a de Arthur) são preferíveis a uma utilidade negativa (a morte de alguém que não se conhece), segundo a ética utilitarista.

Arthur pode, contrariamente à sua esposa, ser considerado um adepto da deontologia kantiana, uma vez que considera errado utilizar alguém como um meio para atingir um fim (ainda que com essa atitude obtivesse um maior conforto financeiro). ‘O problema, Norma’, disse Arthur, ‘é que não interessa nada quem é que se mata. Matar é matar, ponto!’. De outra maneira: matar é violar uma regra moral absoluta. E não interessa a felicidade que se pode vir a obter, pois ela faz parte do contingente. O importante é respeitar o outro da mesma forma que queremos que o outro nos respeite.


Sara Gonçalves

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