quinta-feira, 31 de março de 2011

A Espantosa Realidade das Cousas

"A espantosa realidade das cousas
É a minha descoberta de todos os dias.
Cada cousa é o que é,
E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra,
E quanto isso me basta.

Basta existir para se ser completo.

Tenho escrito bastantes poemas.
Hei de escrever muitos mais. Naturalmente.

Cada poema meu diz isto,
E todos os meus poemas são diferentes,
Porque cada cousa que há é uma maneira de dizer isto.

Às vezes ponho-me a olhar para uma pedra.
Não me ponho a pensar se ela sente.
Não me perco a chamar-lhe minha irmã.
Mas gosto dela por ela ser uma pedra,
Gosto dela porque ela não sente nada.
Gosto dela porque ela não tem parentesco nenhum comigo.

Outras vezes oiço passar o vento,
E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido.

Eu não sei o que é que os outros pensarão lendo isto;
Mas acho que isto deve estar bem porque o penso sem estorvo,
Nem idéia de outras pessoas a ouvir-me pensar;
Porque o penso sem pensamentos
Porque o digo como as minhas palavras o dizem.

Uma vez chamaram-me poeta materialista,
E eu admirei-me, porque não julgava
Que se me pudesse chamar qualquer cousa.
Eu nem sequer sou poeta: vejo.
Se o que escrevo tem valor, não sou eu que o tenho:
O valor está ali, nos meus versos.
Tudo isso é absolutamente independente da minha vontade."

Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
Heterónimo de Fernando Pessoa

domingo, 27 de março de 2011

Desabafos de um Choro Inútil

Questiono-me muitas vezes se um ser humano é dotado da capacidade de mudar outro com as suas palavras, gestos e atitudes. Martin L. King sonhava com o dia em que um homem branco se iria sentar ao lado de um homem negro. Hoje, o racismo – a que dou o nome de substrato da maldade humana - é absolutamente condenável. Também a discriminação entre os sexos – outro substrato da maldade humana - deixou de fazer sentido, em particular a partir dos movimentos feministas que marcaram os anos 20. Houve claramente uma evolução no Homem, que deixou de ver o outro meramente como outro, passando a considera-lo espelho de si mesmo.

Contudo, Schopenhauer viu bem que todos os homens são seres que experienciam o mundo movidos por impulsos e paixões. Há algo que transcende o fenoménico, uma Vontade que é causadora de todo sofrimento, uma vez que lança os entes numa cadeia de aspirações sem fim. A dor é dor de incompletude. Segundo tal concepção pessimista, o prazer consiste apenas na supressão momentânea da dor que é a verdadeira realidade. Quando percebemos esta filosofia pessimista, torna-se difícil não deixar de acreditar na possibilidade de um ser humano mudar o seu eu. O connatus espinosista – isto é, a preservação ou conservação do ser em si - opera de forma imperativa. Ninguém pode não querer o que quer.

Choro então a maldade que existe no mundo e que está tão próxima de mim. Vejo que ainda há indivíduos que, ansiosos por suplantar o outro, partem o espelho em minúsculos pedaços de vidro que ferem simplesmente por ferir. Schopenhauer acreditava que poderíamos escapar desse impulso de suplantação através das artes, nomeadamente da música. [Levei-a, um dia, a ouvir um concerto de músicas de Natal de Handel. Não resultou.]

Uma outra solução apontada pelo filósofo mais pessimista de todos os tempos seria a de compreender a Vontade e superar o egoísmo, tomando cada ser como um ser único e desenvolvendo o sentimento de fraternidade. Retirar, enfim, de cada homem aquilo que nele há de melhor. [Constato, contudo, que nela pouco há de bom. E o pouco que há ainda não descobri. Por isso, estou longe de conseguir mostrar-lhe o prazer de encarar o outro como um fim em si mesmo e não como um meio.]

O meu choro é inútil. Porém, tem qualquer coisa em si que não me repudia. Ao chorar, fico mais próxima de perceber a tristeza. Talvez um dia, ao conseguir percebê-la inteiramente, a possa afastar da minha vida. Até lá, a minha dor será sempre a dor da incompletude.

Sara Gonçalves

sábado, 26 de março de 2011

A Beleza de um Poema

A beleza de um poema

Não está nos seus versos que rimam,

Nem na homogeneidade

Das estrofes que o compõem,

Nem tão-pouco está em hiperbolismos

Que se constroem

Com vista a um lugar

Enigmático.


A beleza de um poema

Está em cada uma das palavras

Que lhe dão vida.

A beleza é a própria palavra.


A Palavra

Que me acelera o batimento cardíaco

E faz estremecer cada lugar

Deste meu corpo

Por fim saciado com essa tua

Excelência,

Poesia.


Sara Gonçalves

Braga, 26 de Março de 2011

sexta-feira, 25 de março de 2011

"Poesia", de Lee Chang-dong



"Poesia" - filme coreano realizado por Lee Chang-dong que venceu o prémio de melhor argumento no Festival de Cannes - é uma baforada de ar fresco para os amantes de cinema cansados da indústria americana. O filme conta a história de uma mulher, Mija (Yun Jung-hee), que, para além de ter de lidar com a doença de Alzheimar, é encarregue pela sua filha de tomar conta de um neto bastante problemático. Para fugir ao negrume da vida, Mija decide ter aulas de poesia, uma paixão há muito deixada de lado. A personagem começa, então, a observar com olhos mais atentos a natureza que a rodeia e, palavra a palavra, descobre o que é escrever um poema...
Abordando a questão da complexidade do ser humano, "Poesia" é um filme que merece ser saboreado e desfrutado por todos. Apesar de longo, não cansa. A sua beleza não o permite.

Sara Gonçalves

Feira do Livro de Lisboa 2011

Caros leitores,
Informo que a Feira do Livro de Lisboa 2011, organizada pela APEL, decorrerá entre os dias 28 de Abril e 15 de Maio do presente ano, no Parque Eduardo VII.

Boas compras, boas leituras!

Sara Gonçalves

quinta-feira, 24 de março de 2011

A Política do "blá, blá, blá"

Ontem, dia 23 de Março de 2011, mais um facto político deixou a sua rubrica no livro dos acontecimentos que ficam para a História do nosso país: o PEC IV foi chumbado, Sócrates demitiu-se e, se tínhamos um governo a desgovernar, temos, neste momento, o incansável desgovernar… e um governo que se pôs a andar! Portugal, que já estava embrenhado numa enorme crise económica e financeira, acabou de ganhar uma crise política – ou, melhor, deu-se o clímax de uma crise política que já estava presente - e na pior altura possível. As consequências vieram hoje, logo pela manhã: os juros da dívida pública dispararam, atingindo um novo recorde: aproximadamente 8,5 %. Nenhuma outra reacção se poderia esperar por parte dos mercados.

Ontem, a política portuguesa mostrou claramente que não consegue ir mais além de “blá, blá, blás”. Assistimos a uma AR recheada de senhores (que se intitulam políticos) com um único objectivo em mente: derrubar o governo. Tornaram as medidas de austeridade propostas em eufemismos de segundo plano e decidiram que o que havia a fazer de momento era tornar um lugar como a Assembleia da República – lugar que deveriam, no mínimo, respeitar - num campo de batalha execrável, com todas as atenções voltadas para o “quem” e não para o “como”. Foi triste ver tantas críticas negativas e zero propostas de resolução para os verdadeiros problemas. Aliás, no final da declaração de José Sócrates ao país, Passos Coelho e Paulo Portas corroboraram precisamente o que acabei de dizer: ambos fizeram um discurso com cheirinho a vitória; sem fundamento algum, uma vez que PSD e CDS (a coligação mais previsível) não têm, de todo, o lugar do PS garantido (entre uns e outro, como diz o povo, "venha o diabo e escolha!"). Muito menos quando, num dia, chumbam medidas de austeridade e, no seguinte, propõem o aumento do IVA. É o cúmulo do ridículo.

Haver eleições antecipadas é incomodativo (tanto a nível psicológico como a nível de custos). Porém, mais triste do que ir fora de tempo às urnas, é dirigirmo-nos a elas sem qualquer perspectiva num futuro promissor. Os portugueses não têm opção: ou escolhem incompetentes ou escolhem incompetentes. Ora, isto é tautológico. Devemos tentar perceber qual a causa de tanta incompetência.

Na minha opinião - que, obviamente, vale o que vale - o pior mal deste país reside na forma como as pessoas se educam. Todos os dias, assistimos à ascensão de pessoas sem um pingo de inteligência a cargos políticos importantes. Ter formação dá trabalho, já o prestígio “barato” é bom e não dá azias. Sugiro não a educação que Rousseau propôs no Emílio, rígida e sem contacto com o mundo social que nos rodeia, mas sim a aprendizagem de Filosofia, em particular de Filosofia Política (ler Maquiavel, Locke e tantos outros só fazia bem a esta gente!). Há que aprender a raciocinar para melhor saber argumentar e, por fim, dirigir um país. Temos de re-começar por algum lado. Sugiro a educação.

Sara Gonçalves

quarta-feira, 23 de março de 2011

Elogio ao Silêncio

Guarda as palavras

Onde elas são mais

Perfeitas.

Guarda-as no

Silêncio.


Silêncio.

A mais sublime

Melodia

Deste lugar estrépito

A que chamam

Vida.


Sara Gonçalves

Braga, 23 de Março de 2011.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Não sei escrever Poesia

Não sei escrever

Essas palavras a que chamam

Poesia

Nem dissociar o que sinto

Das manchas que pinto

Em folha nua.


Saberei um dia,

Talvez,

Olhar a vida com olhos

Despidos de sentir,

Onustos de pensar.


Até lá escrevo o que sinto

E sinto o que escrevo.

Porque meu ser é pobre em palavras

E minha alma rica em

Amor.

Sara Gonçalves

Braga, 21 de Março de 2011 – Dia da Primavera

domingo, 20 de março de 2011

"Sobre um Poema", de H. Helder

Sobre um Poema

Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne,
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.

Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento,
- a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.

E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as órbitas, a face amorfa das paredes,
a miséria dos minutos,
a força sustida das coisas,
a redonda e livre harmonia do mundo.

- Em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.
- E o poema faz-se contra o tempo e a carne.


Herberto Helder

Dia Mundial da Poesia

Caros leitores:
Aqui fica uma boa sugestão para festejar, hoje, dia 20 de Março, o Dia Mundial da Poesia: http://www.ccb.pt/sites/ccb/pt-PT/Programacao/Literatura/Pages/DiaMundialdaPoesia.aspx.

terça-feira, 15 de março de 2011

II Jornadas de Filosofia da Universidade do Minho - "Filosofia e Arte"

Caros leitores:

Venho, por este meio, divulgar o evento mais importante do curso de Filosofia da Universidade do Minho, que está prestes a concretizar-se. Estão todos convidados a comparecer às II Jornadas de Filosofia, nos próximos dias 17 e 18 de Março, organizadas pela Direcção do Curso de Filosofia e pelo NEFILUM (Núcleo de Estudantes de Filosofia da U.M., do qual faço parte). Abordando o tema central “Filosofia e Arte”, tentaremos perceber de que forma Arte e Filosofia se entrelaçam na sua relação do homem com o mundo. Partiremos, por isso, de uma reflexão sobre: a dificuldade de definição de arte; as várias formas de manifestação da arte; a arte como veículo de transformações sociais e culturais do mundo em que vivemos.

O programa das II Jornadas é o seguinte:

DIA 17 (QUINTA-FEIRA)

Local: Auditório ILCH

15h30: Abertura das Jornadas «Filosofia e Arquitectura», Arq. José Capela (Univ.Minho)

17h: Pausa para café

17h30: Teatralização de Íon, Platão (encenação por Sara Gonçalves; cenário por Mafalda Alves; com a participação de Rogério Correia, Susana Neto e Vasco Oliveira)

«Poesia», Samuel Pimenta (Univ.Nova de Lisboa)

Local: Museu Nogueira da Silva

21h: Momento musical e inauguração de exposição (fotografia, poesia, desenho, pintura…)

22h: Sessão Comunidade de Leitores – texto de J. Levinson, “Refinando historicamente a arte”

DIA 18 (SEXTA-FEIRA)

Local: Auditório ILCH

15h: «Literatura e Cinema», Doutor Sérgio Sousa (Univ.Minho)

16h30: «Filosofia e Música», Mestre Cristina Dornelas (Gulbenkian)

17h30: Pausa para café

18h: Debate Prós e Contras: «Arte Contemporânea»

19h: Encerramento das Jornadas

Termino a minha divulgação ansiosa pelo início do evento e com a esperança de que o mesmo seja, tal como no ano transacto, um enorme sucesso. Faremos todos por isso!

Sara Gonçalves