quinta-feira, 9 de julho de 2009

O Anjo

O Anjo cantou-me uma doce balada ao ouvido. Era sempre assim que ele me acordava, de madrugada, altura em que a minha casa estava embebida num silêncio profundo. Ele dizia-me para eu falar baixinho, e eu falava. Explicou-me que a sua voz só eu ouvia, mas que a minha todos podiam escutar. Enquanto a melodia do seu canto penetrava nos meus ouvidos, eu ficava a olhar para ele, pensando como era bonito. Aí o Anjo olhava para mim, sorrindo de uma maneira ímpar. Sempre que eu soltava uma lágrima, ele limpava-ma com aquelas mãos protectoras cujo toque provocava-me calafrios. Nunca me perguntava o que eu tinha, desconfio que já sabia. Visitava-me todas as noites, entrava sorrateiramente pela janela e sentava-se a meu lado. As suas palavras eram sempre delicadas e verdadeiras. Formavam uma poesia repleta de sentimentos amalgamados, que por vezes eu não entendia, mas não por isso achava aquelas frases menos belas.
Certa noite, o Anjo pareceu-me triste e eu perguntei-lhe o motivo dessa sua tristeza. Ele nunca chorava, os anjos não choram, mas a sua vontade era tanta que os seus olhos tornaram-se transparentes. Ao olhá-los, sentia que estava a ver a minha imagem reflectida num lago. Respondeu-me que aquela seria a última noite em que iria estar comigo, pois os outros anjos tinham descoberto que ele andava a sair do céu só para me ver. Compreendi, mas pedi-lhe que não se esquecesse de mim. Duas horas depois, adormeci num sono profundo, vencida pelo cansaço e pela angústia da despedida. O Anjo ficou ali até que eu fechasse os olhos e começasse a sonhar. Nessa noite, o meu sonho foi um tanto estranho… Encontrava-me num deserto, perdida, sozinha, sem saber que rumo tomar. Andei horas e horas a fio, à minha volta não existia mais nada, apenas aquela areia infindável e um calor abrasador. Desmaiei, despertando instantes depois com uma voz tão melódica como o som da chuva a bater na janelas, numa noite de Inverno. Eu conhecia aquela voz! Levantei-me e vi à minha frente o Anjo. Era ele. O seu olhar, os seus cabelos, as suas mãos. Estava no cimo de uma duna e eu comecei a correr na sua direcção... Só que ele desapareceu. No entanto, eu sabia que seria aquele o caminho que me levaria à vida. Ele tinha-mo mostrado. No deserto, tinha sido apenas uma miragem mas, no meu coração, é tudo o que de real existe.
Ao acordar, de manhã, deparei-me com uma rosa vermelha na minha mesa-de-cabeceira. Ela falou-me tal e qual como ele falava, e eu percebi que aquela não seria a última vez que nos veríamos. Um dia, ficaríamos juntos no céu. Fosse lá o que ele fosse.

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