sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

A Leveza do Não-Ser

Imagino-te na tela que fica ao fundo do corredor que atravessa a linha que separa os sentidos do mais profundo olhar. Sossego com a sua impermeabilidade que torna a distância entre ela e as minhas lágrimas infinita. Não posso deixar que me oiças chorar daí desse lugar onde moras. Longe de mim. Longe de nós. Não podes sofrer. Proíbo-te de sofrer.

Só eu posso sofrer. Escondida nas cortinas que envolvem este espaço vazio, deixo-me cair no chão, frio que nem pedra. Mergulho nos lençóis que conservam o cheiro dos sonhos que tenho vindo a sonhar desde o dia em que te vi pela primeira vez. O meu espaço é o vazio.

Calámos o desejo no momento em que os nossos peitos se preparavam para soltar o mais estridente dos gritos. Tal bramido iria fazer tremer tudo aquilo que nos rodeia. Pois que tremesse. Por fim, seríamos cercados pela doce paz, uma primavera interminável de canções e danças de pura felicidade. Sonhar é fácil. Difícil é esquecer que entre a realidade e a fantasia há apenas uma estrada íngreme, com buracos e lajes nas quais inexoravelmente tropeçamos e, por fim, caímos. Impotentes.

Imagina só se tentasses ser meu por um dia! Ao mundo seria acrescentado um ponto final. Não podes. Não podemos. Já é grande a nuvem negra que se avista. Talvez ela tenha estado sempre aqui, a envolver, discretamente, o céu azul que nos contemplava durante os nossos encontros em segredo. Talvez as estrelas já lutassem contra ela enquanto tentavam construir um cenário perfeito para um amor de igual perfeição. Entre esse cenário e o nosso amor só existe uma diferença: o primeiro é difícil e possível; o segundo é fácil, mas impossível.

Só vejo escuridão. Na minha vida, a luz vive escondida. Destrói-me saber que na tua também. Pensas em mim e lutas contra ti próprio e exclamas que não podes e pedes que o sentimento se cale e imploras que o amor se quede mudo até à perenidade. É esse inferno que vives nesse cemitério de afectos e respeito enterrados ainda antes de saberes o meu nome.

Olho em volta e chego à conclusão de que também eu decidi morar num cemitério. Não é igual ao teu. O meu é a solidão. É nesta solidão que posso chorar e esconder o que choro, esconder-me no meu próprio choro. Foram muitos os dias, foram muitas as horas e o tempo já cansa. É demais. Preciso de o matar.

Escuto agora o meu coração que, a pouco e pouco, se tornou o teu lar, o teu conforto. O meu coração é a tua casa. Será sempre.

Penso no que estarás a sentir neste momento. O mesmo que eu, talvez. Em silêncio, distantes, falamos um com o outro. Envio-te um «amo-te» que nunca pronunciei em voz alta, porque as palavras, uma vez proferidas, não se podem apagar. Talvez tenha sido esse o nosso erro. Dissemos tantas palavras com os nossos olhares que nunca mais as conseguimos arrancar da nossa vida. Agora, só me resta procurar um caminho que afugente esta dor. Minha e tua.

Estico o meu braço esquerdo e penso no quão irónico é o que procuro estar precisamente aqui, deste lado. Do lado do coração. Nesta cama, resta o peso de um corpo que a vida se encarregou de matar lentamente. Entre a mão que treme e o cérebro há uma luta renhida. A primeira quase vence. Quase. Lá fora, este dia é igual a tantos outros. Cá dentro, alguém sai vencedora ao ingerir a esperança num novo horizonte. Um horizonte onde talvez te encontre, um dia, de braços abertos, ansiando por me abraçar e manter-me assim, envolta nos teus braços para toda a eternidade.

Fecho os olhos. Só vejo escuridão. Porém, desta vez, a negrura é diferente. É leve. Tornei-me leve. Constato que posso voar e ordeno às minhas asas, frágeis como os artistas que desenham pela primeira vez a sua obra, que me levem até ti. Encontro-te. Estás a dormir um sono profundo. Abraço-te e quedo-me a teu lado. Ficarei assim até acordares, de manhã, e descobrires que um de nós tomou uma atitude. Sei que me sentiste. No momento em que a minha mão segurou a tua mão, houve um entrelaçar dos nossos dedos. Vês? Agora, já não há que temer. Encaixamo-nos na perfeição. Sim, eu fi-lo mesmo, meu amor. Parti para não mais te abandonar.

Sinto-te sempre. E sinto-me leve. Sempre leve. É esta a leveza do não-ser.

Sara Gonçalves,

Torres Vedras, 18 de Fevereiro de 2010.

2 comentários:

  1. Adorei:) as tuas palavras conseguem sempre tocar-me no coração! Não deixes de acreditar! sobretudo em ti! Beijo!

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  2. Obrigada! Apoias-me sempre, de forma incondicional e só tenho a agradecer. Espero que saibas que de mim recebes e receberás o mesmo. Não como retribuição, mas simplesmente porque gosto de ti.
    Beijinhos,
    S.

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