sábado, 15 de agosto de 2009

"Para ti", Mia Couto

"Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo

Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que talhei
o sabor do sempre

Para ti dei voz
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só olhar
amando de uma só vida."

Outubro 1981

Mia Couto, in Raiz de Orvalho e Outros Poemas

1 comentário:

  1. Adorei o Blogue... os poemas, os textos, os "desabafos", as sugestões... Já agora se tiveres curiosidade, visita:

    http://smallheartwindow.blogspot.com/

    Aproveito e deixo te aqui um poema do qual gosto bastante!


    Era a tarde mais longa de todas as tardes
    que me acontecia
    eu esperava por ti, tu não vinhas
    tardavas e eu entardecia
    Era tarde, tão tarde, que a boca,
    tardando-lhe o beijo, mordia
    quando à boca da noite surgiste
    na tarde tal rosa tardia
    quando nós nos olhamos tardamos no beijo
    que a boca pedia
    e na tarde ficámos unidos ardendo na luz
    que morria
    em nós dois nessa tarde em que tanto
    tardaste o sol amanhecia
    era tarde de mais para haver outra noite
    para haver outro dia.

    Meu amor, meu amor
    Minha estrela da tarde
    Que o luar te amanheça e o meu corpo te guarde
    Meu amor, meu amor
    Eu não tenho a certeza
    Se tu és a alegria ou se és a tristeza.
    Meu amor, meu amor
    Eu não tenho a certeza.

    Foi a mais bela de todas as noites
    Que me aconteceram
    Dos nocturnos silencios que à noite
    De aromas e beijos se encheram
    Foi a noite em que os nossos dois
    Corpos cansados não adormeceram
    E da estrada mais linda da noite uma festa
    De fogo fizeram.
    Foram noites e noites que numa só noite
    Nos aconteceram
    Era o dia da noite de todas as noites
    Que nos precederam
    Era a noite mais clara daqueles
    Que à noite amando se deram
    E entre os braços da noite de tanto
    Se amarem, vivendo morreram.

    Eu não sei, meu amor, se o que digo
    É ternura, se é riso, se é pranto
    É por ti que adormeço e acordo
    E acordado recordo no canto
    Essa tarde em que tarde surgiste
    Dum triste e profundo recanto
    Essa noite em que cedo nasceste despida
    De mágoa e de espanto.
    Meu amor, nunca é tarde nem cedo
    Para quem se quer tanto.


    Ary dos Santos

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